O coração é uma bomba extraordinariamente poderosa, capaz de impulsionar todo o volume sanguíneo, através do “oleoduto” das artérias e das veias que, esticado de uma ponta a outra, circum-navegaria o globo cinco vezes – ao todo, 161.000 km. Poderá não ser maior do que uma laranja na palma de uma mão e pesar apenas 10 gramas, mas gera força suficiente para impulsionar uma fonte de sangue contra a gravidade, a 1,80 m do solo e, ao fazê-lo, utiliza tanta energia como as pernas de um maratonista, a fazer força contra o pavimento.
O coração não só é poderoso, como também é altamente “eficiente”, no sentido técnico de fazer o dobro do “trabalho” do que qualquer bomba convencional feita pelo homem, relativamente à quantidade de “combustível” utilizado. Isso deve-se à singular combinação das espirais sobrepostas das suas fibras musculares que se encurtam, progressivamente, em direcção à extremidade (da mesma forma que o número de tijolos em cada fila do pináculo de uma catedral diminui, gradualmente, no sentido ascendente) – espremendo, assim, a cada batimento cardíaco, todo o sangue, até à última gota, da cavidade dos ventrículos. Depois, por via das dúvidas, esta obra-prima da eficácia da engenharia deveria, com sorte, correr dois mil milhões e meio de ciclos de uma vida, sem manutenção, lubrificação, nem necessidade de substituir os seus quatro conjuntos de válvulas que se abrem e fecham quatro mil vezes por hora.
O homem, tentou, no início dos anos 60, criar um coração artificial, mas ainda foram precisos vinte anos para fazer o primeiro dispositivo funcional, que posteriormente colocaram num dentista reformado que sofreu falha respiratória, falha renal, pneumonia e septicemia antes de morrer, quatro meses depois. Nos dez anos seguintes, duzentos pacientes tiveram o destino idêntico, até as autoridades intervirem e interromperem o processo. Por essa altura, tornava-se evidente que aquela era uma tarefa sem esperança – embora, talvez, como se sugeriu, se pudesse criar um coração artificial capaz de agir como substituto temporário em caso de falha cardíaca acentuada, para ajudar nos momentos difíceis, enquanto se aguarda um coração verdadeiro, para um transplante cardíaco.
Após quarenta anos e milhares de milhões de dólares, tudo indica que isso é o máximo que conseguimos. O modelo actual pesa o dobro e tem apenas uma fracção da eficiência da versão natural, sendo o seu fornecimento de energia transmitido através de dois tubos ligados a uma “consola” do tamanho de uma cómoda que só pode ser deslocada sobre rodas, obrigando, assim, o paciente a permanecer hospitalizado. Esse incómodo dispositivo mantém o paciente vivo durante um máximo de dois meses – até que seja possível fazer um transplante do produto dos esforços bastante melhores da natureza, capaz de manter o seu receptor em boa forma durante vinte anos ou mais. Assim quando, como neste caso, os esforços intencionais dos brilhantes bioengenheiros, empregando a mais sofisticada tecnologia moderna, ficam tão aquém do modelo da natureza, parece simplesmente perverso sugerir que a acção do processo não direccionado da natureza sobre mutações aleatórias improváveis poderia originar esta ou qualquer outra das “obras-primas da criação.
Com isto não se está a sugerir que, afinal de contas, deva existir um Criador cuja inteligência superior ultrapassou os melhores esforços desses bioengenheiros mas, antes, chamar a atenção, mais uma vez, para a necessidade de existir um qualquer fenómeno biológico prodigioso, desconhecido da ciência, assegurando que o coração, os pulmões, os órgãos sensoriais e daí por diante são construídos segundo as mais especificações da eficiência automatizada.
JAMES LE FANU
(Conceituado Cientista, Médico, Escritor e Jornalista). Licenciou-se na Universidade de Cambridge e no Royal London Hospital em 1974 e tem vindo a publicar artigos de Investigação no British Medical Journal. Desde 1992 que escreve uma coluna semanal para o Sunday Telegraph e Dally Telegraph, e colabora em vários Jornais e revistas Científicas, incluindo o “Spectator”, o “New Statesman”, a “New Scientist” e a “G.Q.”
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